Já exumaram demais a obra de Cássia Eller (1962 - 2001), mas, justiça seja feita, de todas as gravações que vieram à tona postumamente, a apresentação da cantora no
Rock in Rio 3 é o retrato mais fiel e vigoroso da artista, com a vantagem de flagrar Cássia no auge artístico. O registro do show da cantora no festival será editado em CD (nas lojas ainda em outubro) e, na seqüência, em DVD. É o primeiro produto de série de gravações do festival, criada pela gravadora MZA em parceria com a Artplan, a empresa de Roberto Medina, produtor do evento.
Cássia Eller não sabia, mas ao subir no
Palco Mundo do
Rock in Rio 3, em 13 de janeiro de 2001, teria menos de um ano de vida. Pela maneira visceral com que apresentou o roteiro de 11 músicas, até parece que Cássia
(à esquerda no show, em foto de Leo Correa) intuía que, em 29 de dezembro daquele mesmo trágico ano, ela sairia precocemente de cena, depois de alcançar explosivo sucesso comercial com o lançamento de CD e DVD na série
Acústico MTV.
A releitura demolidora de
Partido Alto - música do repertório de Chico Buarque que Cássia gravaria em seguida no seu acústico - já exemplifica a energia da artista no show. Intérprete exata, Cássia sabia valorizar as letras que cantava com pequenos detalhes como o riso de descrença na providência divina que ela deixa escapar após o verso "Diz que Deus dará". O registro igualmente nervoso de
E.C.T. - mais pesado do que o da gravação original e com forte camada percussiva - corrobora a potência da cantora no consagrador show.
"Vamos tocar uma música do Cazuza", anunciou Cássia antes de iniciar
Obrigado (Por Ter se Mandado) em andamento meio
hardcore. A ironia dos versos desta parceria de Cazuza e Zé Luiz - gravada pela cantora no álbum
Veneno Antimonotonia (1997) - foi perfeita para Cássia mostrar sua sabedoria de intérprete. "Vamos fazer uma música do Nando Reis", emendou a artista para, então, apresentar
O Segundo Sol, número zen de um roteiro endiabrado que inclui ainda
Infernal, outra música de Nando, turbinada com diabólicos solos de guitarra.
"Cássia Eller é a maior cantora do Brasil", saudou, não sem razão naquele momento, Fábio Allman, o
Fabão, depois de dividir com a artista
Faça o que Quiser Fazer, música do grupo carioca A Bruxa, integrado na época pelo cantor, e que já tinha sido gravada pela roqueira no disco
Veneno Vivo (1998). O dueto começa meio
bluesy e descamba para o
hardcore. Da mesma forma que
Malandragem começa suave, com pegada quase folk, e vai ganhando peso.
Ao se apresentar no
Rock in Rio 3, Cássia Eller já formatava seu
Acústico MTV. Por isso,
Quando a Maré Encher, do repertório da Nação Zumbi, foi anunciada como "uma música do disco novo" depois da releitura - cheia de improvisos e citações - de
Coroné Antonio Bento, dividida com Márcio Mello, anunciado por Cássia como "um roqueiro baiano da pesada". A Nação Zumbi - que dá depoimento no DVD sobre seu encontro com Cássia - encheu a
Maré com seus tambores depois de tocar em
Come Together, dos Beatles.
O fim apoteótico foi com
Smells Like Teen Spirit, o hino do Nirvana. O público já estava totalmente nas mãos da
garotinha. E ela deu show naquele 13 de janeiro de 2001, sem o tom mais comportado de seu show seguinte,
Acústico MTV, com o qual a artista rodaria o Brasil naquele ano em turnê nacional. A apresentação do
Rock in Rio 3, de certa forma, é o último registro em que Cássia Eller foi realmente Cássia Eller.