
Em 1980, Renato Russo - ent�o com 20 anos e em come�o de carreira - destilou todo seu veneno antimonotonia ao escrever suas primeiras letras para encorpar o repert�rio de seu primeiro grupo, o mitol�gico Aborto El�trico, em atividade em Bras�lia entre 1978 e 1982. Russo escreveu versos sobre pol�tica e drogas, mas sobretudo sobre o cotidiano entediado e angustiado da juventude que habitava a Capital do Pa�s naquela �poca cinzenta de ditatura e repress�o policial. Com o fim do Aborto El�trico, seu esp�lio foi dividido entre as duas bandas que germinaram a partir da dissolu��o do pioneiro grupo punk: a Legi�o Urbana (que projetaria Russo em escala nacional a partir de 1985) e o Capital Inicial, integrado pelos irm�os F� e Fl�vio Lemos, respectivamente baterista e baixista do Aborto, o embri�o dessas duas importantes bandas surgidas no
boom do rock nacional dos anos 80.
Legi�o e Capital fizeram hist�ria e sucesso com v�rias m�sicas do Aborto (
Gera��o Coca-Cola,
Que Pa�s � Esse?,
M�sica Urbana,
Veraneio Vasca�na), mas outras permaneceram in�ditas, guardadas em fitas cassetes empoeiradas. Pois � este material raro que o Capital Inicial
(na foto acima, clicado por Marcelo Rossi) tirou do ba� - com o aval legal de Maria do Carmo Manfredini, m�e de Renato Russo - para gravar em seu 12� disco,
MTV Especial Capital Inicial - Aborto El�trico.
O projeto era antigo, mas somente este ano foi concretizado. "O F� e o Fl�vio estavam relutantes. Tinham medo de que as m�sicas pudessem soar datadas e de que O capital fosse tachado de oportunista. Afinal, o Aborto El�trico j� estava no reino do imagin�rio. Gravar seu repert�rio seria desmistific�-lo", pondera Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital.
Dinho n�o fez parte do Aborto El�trico, mas conviveu intimamente com a toda a
turma da colina. Por ter namorado Helena, irm� de F� e Fl�vio, assistiu a v�rios ensaios do Aborto e viu quase todos os shows. Da� sua vontade de regravar esse cancioneiro, fiel ao andamento dado �s m�sicas por Renato Russo nas grava��es caseiras que lhe serviram de guia. "N�o tem um vocal meu no disco que n�o reproduza a forma do Renato cantar as melodias. Mas n�o o imitei. Durante anos, fui atormentado pelo fantasma do Renato e, depois que achei meu jeito e meu caminho, n�o ia imit�-lo", ressalta Dinho.
Das 18 m�sicas do CD, nove nunca haviam sido registradas em disco. S�o p�rolas como
Submissa,
Love Song One,
Submissa,
Helic�pteros no C�u,
Constru��o Civil,
Hero�na e
Despertar dos Mortos. "� um grande equ�voco achar que as melhores m�sicas do Aborto j� haviam sido gravadas", garante Fl�vio Lemos. "
Love Song One e
Constru��o Civil sempre estiveram entre as minhas preferidas. E
Helic�pteros no C�u era a favorita do Andr� M�ller, da Plebe Rude", afirma Dinho. Quando o disco estava praticamente pronto, F� e Fl�vio ainda encontraram outra m�sica,
Baader-Meinhof Blues N�1, tema quase hom�nimo (mas diferente) do registrado pela Legi�o Urbana em seu primeiro disco.
Voltar no tempo e no ritmo do Aborto foi tarefa �rdua para Dinho e cia. "Pensei que o mais dif�cil fosse recuperar as can��es, mas foi f�cil, na verdade", conta Dinho, revelando que a m�e de Renato Russo j� havia sido avisada pelo falecido pai do artista, Renato Manfredini, de que F� e Fl�vio Lemos tinham prioridade na cess�o do repert�rio do Aborto El�trico por terem feito parte da banda. "Na verdade, o processo mais dif�cil foi revitalizar as m�sicas, foi interpret�-las. N�o � o Aborto El�trico cantando. � o Capital Inicial interpretando o repert�rio do Aborto El�trico", ressalta Dinho.
Todo o processo de recupera��o do esp�rito punk do Aborto foi documentado no DVD que chega �s lojas no fim de novembro. Filmado em Bras�lia, o v�deo intercala
takes das sess�es de est�dio com entrevistas com bandas (Paralamas do Sucesso, Plebe Rude) e punks que viveram na Capital na �poca do Aborto El�trico. Um dos depoimentos � o de Cris Brenner, pioneira punk local, hoje respeit�vel m�dica. S�o cenas de uma �poca que n�o volta mais e que se perdeu ainda nos anos 80, com a profissionaliza��o das bandas. "Aquela uni�o que havia no punk era somente da gente, que tinha 18 anos e convivia naquele cen�rio espec�fico. Depois, quando as bandas come�aram a gravar, pintou rivalidade e o Renato foi se enfurnando cada vez mais no mundo dele", recorda Dinho.
O document�rio tem 2 horas e 20 minutos. Para quem n�o aguentar esperar at� o fim de novembro, a MTV exibe dia 6 vers�o condensada do especial, que mostra como a semente do Aborto El�trico ainda d� frutos 25 anos depois de seu primeiro show.