Carmen, a biografia, preserva o mito
Título: Carmen - Uma Biografia
Autor: Ruy Castro
Editora: Companhia das Letras
Cotação: * * * *
Se Ruy Castro não chega a desconstruir o mito de Carmen Miranda na recém-lançada biografia da cantora, o escritor consegue a façanha de detalhar a vida da artista que nasceu em Portugal, se criou no Brasil e conquistou os Estados Unidos como poucos nomes nascidos fora de terras norte-americanas o fariam depois dela (do Brasil, a exceção seria Tom Jobim). Como diz o texto da contracapa, todo brasileiro supõe conhecer Carmen Miranda. Mas poucos conhecem de fato sua trajetória - e aí entra o mérito de Castro. Ele reconstitui a vida e a obra de Carmen com detalhes minuciosos que acabam por formar rico painel do Rio e da Hollywood da primeira metade do século 20.
O mito permanece porque Castro referenda nas 600 páginas do livro a imagem de Carmen construída superficialmente pelos brasileiros minimamente informados (aos quais, aliás, se destina a biografia pelo preço fixado em R$ 55). No texto afiado do escritor, Carmen permanece a artista exuberante que seduziu o Rio dos anos 30 com seu carisma e que, a partir de 1939, se transformaria progressivamente na figura exótica que conquistaria os EUA com os balangandãs de suas baianas estilizadas até se afundar num mar de comprimidos e de carências não-supridas que apressariam sua morte, em 1955.
A importância histórica do livro está nos detalhes. Sem endeusar a biografada, Castro refaz sua trajetória passo a passo rumo ao estrelato mundial. É nessa reconstituição que reside o valor e a riqueza de Carmen. O livro narra a saga de sua família para sobreviver no Brasil, a cumplicidade com a irmã Aurora (recentemente falecida, aos 90 anos), a luta para se impor no incipiente mercado fonográfico dos anos 30, seus namoricos (bem avançados para a época), a conquista do Brasil com seus discos e a inesperada ida para os Estados Unidos, país em que Carmen foi mais aproveitada pela indústria do cinema com a criação e projeção de uma imagem caricata (com direito a um inglês propositalmente errado) em filmes musicais que lhe garantiriam alguns desafetos no Brasil.
Em lances novelescos, Castro narra como o casamento de Carmen com David Alfred Sebastian seria o começo do fim da artista - mostrada no livro como uma pessoa bastante generosa e desapegada ao dinheiro. Sufocada pelo excesso de trabalho e pelo desamor, ainda que tivesse contado nos Estados Unidos com o apoio da mãe e de Aurora, Carmen aos poucos sucumbiria como mulher e como artista. Até que seu coração não resistiu e parou de bater. Para eternizar o mito que nem Castro, com sua perseguição pelo detalhe, consegue desfazer.