Marina faz seu teatro de volta ao futuro
Título: Primórdios
Artista: Marina Lima
Local: Canecão (RJ)
Data: 1º de setembro
Cotação: * * *
Primórdios, o incensado show de Marina Lima que estreou em São Paulo em 2005, apresentou na chegada ao Rio - na noite de sexta-feira, no Canecão, onde ficará em cartaz até domingo, 3 de setembro - o esperado requinte envolto em aura de modernidade criada pela diretora Monique Gardenberg. Não é a primeira vez que a cantora lança mão de atmosfera de teatralidade para desviar o foco de sua meia-voz. Em Sissi na Sua (1999), espetáculo dirigido pelo encenador Enrique Diaz, já havia os truques cênicos e a ambiência eletrônica que caracteriza a obra recente da artista (na foto acima, clicada por Susana Ribeiro em cena).
Remontado sob a inevitável tensão de toda estréia carioca, Primórdios segue a linha teatral escorado na criatividade de Monique Gardenberg, sempre surpreendente a cada trabalho. Vai decepcionar quem espera ouvir a cantora cheia de notas dos anos 80 e início dos 90. As atuais interpretações, às vezes recitadas e em entonação reincidente, podem incomodar velhos fãs. Mas o fato é que Marina se reinventa e resolve o problema vocal de forma feliz - como feliz também parece estar a artista ao encontrar novamente seu eixo estético após inapropriado Acústico MTV.
Aberto com Três, o quase tango que se destaca na atual safra de inéditas da compositora, o roteiro vai envolvendo o espectador em sucessivas surpresas criadas com a ajuda de artefato técnico raras vezes montado em palcos nacionais. O encanto é inevitável quando - após desossar Nervos de Aço, um dos clássicos do gaúcho Lupicínio Rodrigues - Marina forja um desmaio e sai de cena carregada. Puro e refinado teatro! Na volta, já empunhando sua guitarra, a artista encarna a roqueira que sempre habitou nela para reviver músicas como Ainda É Cedo (a música da Legião Urbana da qual se apropriou ainda nos anos 80 com grande personalidade), Entre as Coisas (rock inédito de sonoridade meio indie) e Difícil.
Em sintonia com boa parte das letras, Primórdios é show quente, sexual, vermelho. E por isso Vestidinho Vermelho - a descolada versão de Alvin L. para Beautiful Red Dress, de Laurie Anderson - cai tão bem na interpretação falada de Marina. Assim como Bang Bang, o sucesso de Nancy Sinatra, revivido na trilha do filme Kill Bill e entoado em Primórdios somente com os acordes suaves da guitarra de Fernando Vidal.
Música do esmaecido CD Setembro (2001), Paris - Dakar ressurge gloriosa sob o signo da eletrônica. Em pista adornada com globos que remetem à era da disco music, Marina enlouquece na boate cênica. É mais um artifício para redimi-la do fato de músicas como Virgem, Acontecimentos e Fullgás terem perdido o vigor dos áureos tempos vocais. A propósito, os tempos são outros. Marina Lima também já é outra. Apesar do título que remete a um passado distante, Primórdios a sintoniza com um futuro que, mesmo à meia-voz, parece ser promissor.