
Motivado por recente artigo do colunista sobre os (des)caminhos de sua carreira fonogr�fica, no ano em que ele completa tr�s d�cadas de obra solo pioneira no pop nacional e que prepara disco de in�ditas em Salvador (BA), Guilherme Arantes
(foto) mandou para o
blog de
Est�dio um texto em que reflete sobre quest�es relativas ao conceito de sucesso, � ind�stria do disco, � m�dia, � m�sica e ao jogo de poder que envolve tudo isso. O texto questiona o conceito de injusti�a atribu�do � trajet�ria de Arantes pelo colunista e merece ser lido por conta da riqueza de id�ias expostas pelo compositor.
L� vai:
"O significado da palavra 'limbo' tem muitas variantes. Pode ser a aus�ncia de lembran�a que sucede fase de superexposi��o, pode ser o castigo que o sistema reserva para quem teve o espa�o t�o cobi�ado, mas tamb�m pode ser "o sil�ncio que precede o esporro" ..., o que n�o configura obriga��o nenhuma de voltas triunfais, de resgate, tudo isso pode ser um grande engano.
Viver � melhor que sonhar, como diz o mestre Belchior, e a vida � infinitamente maior do que o �xito, o mercado, o senso comum e a opini�o que as pessoas possam ter a respeito da gente... A verdade � que s� pode "sumir" quem um dia "apareceu" ... e nisso fico tranq�ilo, pois a minha "miss�o de aparecer" foi sobejamente cumprida nos anos da mocidade (e a�, sim, havia "obriga��o" em conseguir brilhar) nas priscas e long�nquas eras da beleza f�sica... E como me fartei desse brilho!!! E acho que foi um brilho bonito, porque estranho.
O brilho pelo brilho n�o � nada, s� vale pelo estranhamento que possa ter deixado. A ind�stria cultural, como qualquer outra, privilegia claramente o mito da juventude - empresas estabelecem at� idade-limite para contrata��es no mercado, o que � uma injusti�a enorme com a m�o de obra madura e experiente. Mas isso � uma outra discuss�o - os mitos da juventude, do esplendor e decad�ncia, da finitude da vida, ascens�es e quedas, gl�ria e ocaso, fazem parte da dial�tica mais rasteira e miser�vel que a humanidade construiu para, ela sim, perenizar-se no limbo. O mundo est� no limbo. O mundo se esqueceu de si mesmo.
Eu n�o me esqueci jamais da m�sica que eu amo, dos colegas que adoro, da bel�ssima hist�ria da m�sica popular do Brasil, muito menos de mim, e nada tenho do que reclamar. Ali�s, o estado de reclama��o � o pior caminho para qualquer pessoa, especialmente o artista. Assim, o adjetivo "injusti�ado" eu queria ver desde j� banido de qualquer conversa a meu respeito. Quem? Logo eu?
� uma pecha cruel e aprisionante, assim como � o t�tulo de "maldito" aposto aos nomes de Mautner, Macal�, Walter Franco, Melodia, Itamar, Arrigo, a lista � longa .... Mas como o sistema � insidioso, delimita um nicho para cada pessoa ficar ali, quietinha, santificada e adorada em seu silencio petrificado. E hoje em dia, qual � o significado da palavra "sucesso"? Francamente... � s� olhar a TV aberta ...
O fato � que o Brasil tamb�m se esqueceu de si mesmo. � hoje um espectro do que foi, um fracasso, uma decad�ncia deprimente, que vive do passado e no passado, mas tamb�m n�o adianta ficar reclamando. Como parte desse passado, tenho (e sou grat�ssimo) tantas execu��es em r�dios do segmento "adulto-contempor�neo" quanto os meus maiores �dolos, e me sinto em muit�ssimo boa companhia nesse "esquecimento", junto com o que h� de melhor de nossa m�sica. � tanta gente, e de tal qualidade, que nem sei se mere�o tamanha companhia.
N�o vou aqui citar nomes de quem est� realmente "esquecido", porque teria muita gente dos escal�es principais, at� mesmo gente que est� "aparecendo" a toda hora, tentando de tudo pra aparecer, mas que est� mortinha-da-silva e que se esqueceu de deitar.
S� para exemplificar, sem medo de interpreta��es controversas e repres�lias, cito alguns internacionais que fazem parte da "nossa turma" : Elton John, Phil Collins, James Taylor, Peter Gabriel, Stevie Winwood, Christopher Cross, Al Stewart, Suzanne Vega, Tears for Fears, Everything But the Girl, Tracy Chapman, Cindy Lauper, Mark Knopfler... S�o s� alguns que lembro agora, que amo, e que tocam muito, ali, juntinho com a gente...
As apar�ncias enganam, o sistema � um engodo, e a ind�stria cultural � uma farsa - e j� foi desmascarada incont�veis vezes. A ind�stria do sucesso adora mesmo � quando o artista morre. Esse � o artista perfeito. Ou quando deliberadamente desaparece. N�o fica em p�blico expondo seu "apodrecimento f�sico e moral", n�o fica tentando voltar � baila, enchendo o saco da m�dia, vira santo e ergue um mito, pronto. Mas n�o � assim que funciona.
Teimamos em viver, porque (digo de novo) a vida � infinitamente maior do que tudo isso.
Quanto a um novo CD "comemorativo" dos 30 anos de carreira, com participa��es estelares, podem deixar isso pra l�... Foi uma id�ia natimorta. N�o vou angariar nenhum "tributo a Guilherme Arantes", usando meu prest�gio para somar nomes de peso, criando artificialmente ganchos de marketing para me tornar mais palat�vel, seria rid�culo. E digo mais : h� �lguns meses me propuseram fazer um CD de int�rprete, com regrava��es de grandes sucessos de outros artistas, um "projeto especial", que recusei peremptoriamente, o tal "cover do cover" que est� t�o na moda.
Digo claro: estou e estarei sempre fora. Chega de "projetos". O Brasil virou a p�tria dos "projetos", j� perceberam?
O brasileiro hoje � um sujeito que est� sempre precisando "sentar pra fazer um projeto", � toda uma na��o que roda bolsinha com um "projeto na m�o", memoriais descritivos e planilhas de viabilidade. Nada sai do papel, morre tudo na praia. No meu caso, isso seria na verdade "fazer um projeto para sentar "...
Se hoje estou fora do mercado, sem gravadora, � porque sempre tive personalidade demais, ningu�m jamais me curvou a gravar o que eu n�o queria, de um jeito que eu n�o quisesse, minha profiss�o � de compositor, eventualmente e circunstancialmente um
hitmaker. Sim, gravei coisas (uns meros 5 %) para as quais hoje eu tor�o o nariz, mas foram erros meus. 95 % do que gravei, eu adoro. Ah, como � bom estar nesta situa��o... Principalmente as mais desconhecidas, os chamados "Lado B" que dariam pra fazer uma caixa com 15 CDs, que eu chamaria orgulhosamente de "Os 100 Maiores Insucessos de Guilherme Arantes".
Dos "20 Maiores Sucessos", eu j� estou de saco cheio, embora muitas dessas m�sicas eu ainda goste muito e cante nos shows, porque o que eu vendo � a minha vida, sentimentos, e � uma del�cia compartilhar isso. Cansei � do senso comum. Pra mim, ele n�o vale nada.
Se, mesmo sem m�dia alguma, fa�o uma m�dia de 15 shows por m�s (quem faz?) � porque s� tem um jeito do p�blico curtir minha m�sica: ao vivo . E eu agrade�o muito isso, pois vivo do que sonhei viver: da m�sica, e nada mais. Minha profiss�o � de m�sico, n�o de celebridade. Sucesso, qualquer coisa faz.
Sucesso � esquema, �
kit modernidade - personal trainer, web-designer, fashion-designer, assessoria de imprensa, assessoria de marketing e outros ap�ndices que fogem de minha fun��o no mundo. Estou pouco me lixando para a modernidade, para o ser moderno, seja l� o que isso significa. Certo est� Jo�o Gilberto em suas esquisitices. E como � ador�vel, moderno, atemporal. � apenas um homem e um viol�o. Esse � o Mestre, sem nenhum
kit modernidade.
Vem a� um disco novo, sim, mas vai ser "apenas" um disco de carreira, com m�sicas novas. Em qualquer circunst�ncia, digo do fundo da minha experi�ncia que vale infinitamente mais um trabalho novo do que qualquer "jogada pra levantar", mais do que qualquer "projeto" esp�rio de canibaliza��o, de reprocessamento ou releitura.
O mercado est� covarde. Resta a n�s gerarmos o milagre - mas n�o foi sempre assim? Se fosse pra abaixar as cal�as, em 1976, h� 30 anos, eu teria gravado em ingl�s, pois era isso que o "mercado" exigia. Somos teimosos. Somos tinhosos e perigosos. Estamos vivos, e podemos fazer um estrago que ningu�m imagina.
Quero estar junto com os artistas desconhecidos, em come�o de carreira sim, (re)come�ando sempre da estaca zero sem o menor problema. Em outubro de 1980 eu estava acabadinho e esquecidinho, sem gravadora, como manda o figurino do mercado, quando recebi em minha casa na Vila Mariana uma surpreendente liga��o da Elis, pedindo uma m�sica, ela havia se encantado com um disco meu (fracassad�ssimo),
Cora��o Paulista. Pois me lembro bem hoje, eu estava a 3 meses (!!!) de me tornar o n�mero 1 dos FMs, "gl�ria" essa que duraria 12 longos anos ... quem � que diria, �quelas alturas, que isso estava pra acontecer?
Durante aqueles 12 anos, jamais me enganei com o sucesso. Sa�a todos os dias dos gin�sios lotados com 8.000 pessoas (pagantes, s� pra me ver) e ia caminhar pela madrugada, no sil�ncio das ruas desertas, para ouvir os meus pr�prios passos marcando o tempo real no ch�o da realidade. Ainda bem que antes dessa carreira tresloucada e enganosa eu havia feito Arquitetura na USP, j� era cabe�a-feita, o pensamento andava longe, bem longe de toda aquela confus�o das "paradas", do ass�dio...
Hoje, sou exatamente o que sonhei ser. Envelhecer, pra mim, � um objetivo, e eu juro pelo que h� de mais sagrado que eu vou conseguir, e j� estou conseguindo. Deus me livre de ficar eternamente jovem, e prefiro mil vezes ser bem esquecido do que mal lembrado. Sei que hoje o "mercado" � completamente previs�vel, as cartas est�o muito mais marcadas. Mas estou muito mais com as surpresas, com as periferias. Enquanto houver sonhos vitoriosos, e n�o programados nas mesas de reuni�es da ABPD, de artistas de verdade como Racionais MC's, O Rappa, Chico Science... O sonho existe e o que eu gosto mesmo � do novo. O resto, a poeira do tempo vai soterrar, sem o menor problema."