Resenha de CD
Título: Carioca
Artista: Chico Buarque
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * *
Foram oito anos de espera por um disco de inéditas de Chico Buarque. O primeiro desde
As Cidades, de 1998. A expectativa, naturalmente grande, não é satisfeita com a audição de
Carioca, nas lojas a partir de hoje pela gravadora Biscoito Fino, nos formatos de CD simples e CD + DVD
Desconstrução, com tiragem inicial de 151 mil cópias. Quase todas as 12 músicas apresentadas nos 36 minutos e 51 segundos do álbum são tijolos menores da obra grandiosa construída por Chico há 40 anos. Há raro requinte nos arranjos e nas harmonias, mas a impecável produção apenas disfarça a ausência de músicas à altura de um compositor habitualmente magistral. Não vai sair do disco um novo clássico do cancioneiro de Chico. E os elogios derramados, que provavelmente virão, serão feitos mais pela reverência ao mestre do que pela genuína admiração das músicas. Como já vem acontecendo há algum tempo...
Os arranjos do violonista Luiz Cláudio Ramos embalam com sofisticação exemplar um repertório que tangencia o Rio de Janeiro de forma mais ou menos explícita. O choro-canção
Subúrbio já abre o CD mapeando - sem romantismo - sons, costumes e mazelas dos bairros da periferia da cidade. Intervenções da flauta de Marcelo Bernardes e do clarinete de Paulo Sérgio Santos pontuam música que chama mais atenção pela letra engenhosa do que pela melodia. A propósito, o Chico letrista supera, e muito, o melodista menos inspirado de
Carioca.
"Fala a língua do rap", propõe Chico em verso de
Subúrbio. Atento aos novos sons da cidade, o compositor insere rap (
Embolada) e programações eletrônicas no baião
Ode aos Ratos, extraído da trilha do musical
Cambaio, composta em 2001 em parceria com Edu Lobo (o tema já tinha sido gravado por Chico no CD do musical). A levada nordestina é menos evidente no quase fox
Outros Sonhos, em que pese a adição do acordeom de Dominguinhos. "De noite raiava o sol / Que todo mundo aplaudia / Maconha só se comprava na tabacaria", delira Chico em versos já antecipados pela assessoria do artista a colunas de jornais para gerar polêmica sobre o disco.
Sintomaticamente, as melhores músicas são as antigas. O único samba do disco,
Dura na Queda, foi composto para a peça
Crioula, que contou a vida de Elza Soares. Na versão do autor, o samba ganha sopros e clima de gafieira. Já a valsa
Imagina, criada por Tom Jobim em 1947 e letrada por Chico em 1983, se impõe naturalmente, adornada pela voz segura de Mônica Salmaso e pelo piano de Daniel Jobim, neto do
maestro soberano de Chico.
As canções não estão entre as mais arrebatadoras de Chico. A mais bonita -
Por que Era Ela, Por que Era Eu, tema do filme
A Máquina - já foi lançada na compilação
Chico no Cinema, editada no fim de 2005. Também envolvente,
As Atrizes combina cordas e lirismo em reverência às divas do cinema francês que apareciam nuas na tela do cinema e da imaginação do autor.
Ela Faz Cinema evoca clima bossa-novista.
Sempre - feita para filme ainda inédito de Cacá Diegues,
O Maior Amor do Mundo - tem tom camerístico.
Renata Maria (primeira parceria de Chico com Ivan Lins) é banhada pela atmosfera onírica que faltou na gravação original de Leila Pinheiro. Já
Leve é samba-canção levemente abolerado que deveria ter permanecido no repertório de Dora Vergueiro e Carol Saboya.
É tudo harmônico e refinado (a exemplo do choro
Bolero Blues, primeira parceria de Chico com seu baixista Jorge Helder), mas quase nenhuma música nova conquista para valer neste (bom) CD aquém da genialidade de Chico Buarque.