SBTVD no rumo certo?
Semana passada, durante a audi�ncia p�blica da Comiss�o de Educa��o do Senado, em Bras�lia, para tratar da TV Digital, o ministro H�lio Costa foi surpreendido pela circula��o entre os parlamentares, de uma carta ao Congresso Nacional, � Presid�ncia da Rep�blica e � sociedade brasileira.
A TV est� passando por uma grande transforma��o. H� grandes investimentos em pesquisas para promover a migra��o do padr�o anal�gico para o digital. Isso implicar� mudan�as profundas neste que j� se consolidou como o meio de comunica��o mais influente das nossas sociedades. Nas poucas reportagens em que aborda o tema, a m�dia brasileira trata desta mudan�a de maneira limitada, como se ela representasse apenas uma melhoria da qualidade da imagem (a chamada alta defini��o). A mesma imprensa tamb�m procura reduzir o tema a uma escolha entre tr�s padr�es j� existentes: o norte-americano (ATSC), o europeu (DVB) e o japon�s (ISDB) ? o que, na realidade, oculta o debate pol�tico em torno desta mudan�a.
A chegada da TV digital � muito mais do que a escolha de um dos padr�es j� implementados no mundo: � um debate que precisa ser acompanhado de perto pela sociedade brasileira, pois se as decis�es tomadas num futuro pr�ximo produzir�o forte impacto no modo como assistimos televis�o e nas formas de sociabilidade mediadas pelas tecnologias, podem tamb�m alterar o cen�rio de concentra��o dos meios, contribuir para as pol�ticas de inclus�o digital e permitir uma apropria��o do p�blico sobre o privado. Portanto, o debate sobre a TV digital deve se tornar efetivamente p�blico imediatamente, sob o risco de todos n�s, cidad�os e cidad�s do Brasil, desperdi�armos uma rara oportunidade de caminharmos rumo � democratiza��o das comunica��es e, conseq�entemente, do pa�s.
A falsa pol�mica entre importar um padr�o e desenvolver um sistema nacional
O debate sobre o desenvolvimento da TV digital no Brasil tem sido reduzido a duas possibilidades extremas: ou se importa o sistema completo (padr�o japon�s, europeu ou norte-americano), ou se produz tudo localmente. Na verdade, as pesquisas em andamento no pa�s revelam que o sistema brasileiro ideal deveria reunir elementos j� ?consagrados? em outros pa�ses e outros que precisam ser desenvolvidos nacionalmente. N�o h� interesse em inventar a roda. Se todos os sistemas usam, por exemplo, um padr�o de multiplexa��o de v�deo (processo de jun��o de diferentes sinais de v�deo em um s� feixe de transporte), n�o h� necessidade de criar algo espec�fico para o pa�s. Por outro lado, mesmo que escolhamos um sistema j� existente, ser� necess�rio fazer adapta��es para a realidade brasileira (por exemplo, quanto � recep��o do sinal, dada a nossa topografia espec�fica).
Considerando que um sistema seria uma ?colagem? de diversas tecnologias usadas para diferentes finalidades ? antenas inteligentes, som, modula��o e codifica��o do sinal, set top box (aquela caixinha acoplada que j� usamos para a TV paga), softwares, entre outras coisas ? podemos concluir que a quest�o central neste debate n�o est� entre importar um padr�o ou desenvolver um padr�o exclusivo brasileiro, mas em encontrar o melhor sistema para o pa�s. As perguntas que devemos fazer s�o: quais s�o as vantagens de produzir nacionalmente elementos do sistema de TV digital a ser adotado no Brasil? Por que os empres�rios do setor defendem a simples ado��o de um ?padr�o? j� existente? Por que o governo hesita diante deste debate? Por que a sociedade n�o est� sendo envolvida neste processo?
Em primeiro lugar, a produ��o local tem o objetivo de fortalecer a pesquisa brasileira (estimulando nossas universidades e centros de pesquisa e gerando empregos qualificados), diminuir nossa depend�ncia externa de produtos de alta tecnologia e criar uma ind�stria nacional, iniciativas fundamentais para que o pa�s n�o perpetue sua depend�ncia tecnol�gica e industrial em rela��o aos pa�ses desenvolvidos. Em segundo lugar, somente um modelo desenvolvido a partir das realidades do pa�s pode responder ao desafio de ser um instrumento que impulsione nosso desenvolvimento social, cultural, pol�tico e econ�mico. Basta dizer, neste caso, que uma TV digital brasileira pode ser um importante instrumento de inclus�o digital, o que n�o � uma necessidade para um pa�s como os Estados Unidos, cujo padr�o prioriza a alta defini��o ao inv�s da interatividade. No Brasil, menos de 20% da popula��o usa computador e Internet em casa, mas mais de 90% t�m TV. E a TV digital permite que a TV seja interativa. Sendo assim, por que n�o usar esta TV interativa para fazer inclus�o digital? Tal exemplo � um dos que evidenciam a necessidade de desenvolvermos uma tecnologia nacional.
Interatividade a servi�o da sociedade
As ?maravilhas? da TV digital apresentadas pela imprensa s�o novidades vinculadas � cria��o de servi�os comerciais, como venda interativa, jogos, consultas personalizadas (previs�o do tempo, resultado de jogos), pay-per-view, etc. Ou seja, novidades que certamente incrementariam os lucros dos detentores das emissoras de televis�o.
A TV digital, entretanto, pode cumprir um importante papel na afirma��o da cidadania. Com o uso da interatividade, por exemplo, a TV pode disponibilizar nas casas dos brasileiros servi�os interativos de educa��o (que respondem �s demandas espec�ficas de cada usu�rio), de governo eletr�nico (declara��o de imposto de renda, pagamento de taxas, extrato de fundo de garantia, boletim escolar dos filhos, etc.), uso de correio eletr�nico (cada brasileiro com uma conta de e-mail) e, no limite, acesso � toda a Internet.
Outro grande impacto da TV digital que deve ser urgentemente discutido pela sociedade � a possibilidade de inser��o de mais canais de TV, a chamada multi-programa��o. No mesmo espa�o onde hoje se transmite um �nico canal, a TV digital permite a recep��o de quatro novas programa��es (desde que n�o seja adotada a alta defini��o). Se levarmos em conta que a TV digital ir� ocupar (ao final do per�odo de transi��o) o espa�o que vai do canal 7 do VHF ao 69 do UHF, veremos que se torna perfeitamente poss�vel a amplia��o dos emissores de programa��o e, assim, a amplia��o significativa dos produtores de conte�do televisivo. Assim, al�m dos operadores privados e estatais, tamb�m sindicatos, associa��es, ONGs, movimentos sociais e emissoras geridas coletivamente poderiam ter seus canais.
Mas o interesse do empresariado de comunica��o evidentemente n�o � discutir a possibilidade de outros sujeitos ocuparem novos canais em um espa�o que historicamente foi monopolizado por ele. As associa��es que o representa possuem um forte lobby junto aos poderes da Uni�o (Executivo, Legislativo e Judici�rio), que dificulta quaisquer mudan�as que apontem para uma maior democratiza��o da radiodifus�o. Em rela��o � TV digital, os empres�rios t�m demonstrado grande resist�ncia em aceitar o desenvolvimento de tecnologia nacional. Primeiro, porque, ao inv�s de uma pol�tica industrial brasileira, eles preferem fazer acordos comerciais com as multinacionais que representam os sistemas j� existentes (Sony, Phillips, Nokia, Siemens, Motorola, etc). Segundo, porque preferem usar o potencial da TV digital para a cria��o de servi�os comerciais e n�o para governo eletr�nico ou educa��o � dist�ncia, por exemplo. Terceiro, porque temem que servi�os interativos possam atrair para a TV digital as empresas de telecomunica��es, que, em geral, s�o estrangeiras e possuem muito mais recursos financeiros do que as emissoras de televis�o do Brasil.
Por fim, as emissoras querem reproduzir com a TV digital o atual cen�rio de concentra��o e negar a possibilidade de participa��o de novos atores neste espa�o. A defesa da alta defini��o, propagandeada para os modelos norte-americano e japon�s, mais do que uma estrat�gia comercial para atrair o consumidor pela melhoria da qualidade da imagem, significa impedir o surgimento de novas programa��es e, portanto, de novos ?concorrentes?, sejam eles p�blicos ou privados.
Helio Costa: representante dos interesses privados?
O governo FHC previa a escolha entre os tr�s sistemas existentes. No governo Lula, o debate avan�ou para a possibilidade de se criar um Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). Ainda em 2003, foi criado um f�rum governamental (Grupo Gestor) para definir as pol�ticas da TV digital, assessorado por um Conselho Consultivo com representantes da sociedade civil. Em paralelo, o governo divulgou 22 editais de pesquisa para que cons�rcios formados por universidades, centros de pesquisa e empresas pudessem desenvolver as pe�as que, juntas, formariam o SBTVD. Apesar destes avan�os que apontavam para o desenvolvimento de tecnologia nacional para um SBTVD, o atual ministro das Comunica��es, Helio Costa (PMDB-MG), ignorou todo este ac�mulo e anunciou que o desenvolvimento de uma pesquisa nacional era secund�rio diante da necessidade de se come�ar logo as transmiss�es digitais, praticamente descartando quaisquer mudan�as no cen�rio atual.
Mais recentemente, as a��es do ministro revelam a n�tida inten��o de considerar exclusivamente os interesses dos empres�rios detentores das concess�es p�blicas, fazendo da TV Digital instrumento de amplia��o do potencial comercial destas emissoras ? e nada mais. Tal pr�tica pode ser comprovada pelo profundo desrespeito aos processos em andamento, tanto em rela��o ao Conselho Consultivo quanto em rela��o aos cons�rcios de pesquisa: em reuni�es realizadas nas �ltimas semanas, por exemplo, H�lio Costa tem anunciado que j� negociou com o Minist�rio da Fazenda a isen��o de impostos para a importa��o de equipamentos.
Segundo tem declarado publicamente, o ministro defende que os parceiros fundamentais nas decis�es sobre o SBTVD s�o as redes de televis�o e, por isso, � delas que devem partir as diretrizes para a digitaliza��o da televis�o brasileira. Ou seja, ao inv�s de defender os interesses do pa�s, H�lio Costa atua como um t�pico representante de interesses particulares, aproveitando-se do momento pol�tico conturbado para cristalizar um modelo que, fosse o debate sobre a digitaliza��o transparente e democr�tico, seguiria outro rumo. Ainda que n�o seja o �nico interessado no tema da TV digital no interior do governo Lula, a opini�o do ministro dever� ser considerada nas decis�es pol�ticas a serem tomadas em breve pelo governo.
� importante lembrar que, ao todo, foram previstos R$ 80 milh�es para o desenvolvimento do SBTVD. Destes, somente R$ 38 milh�es foram liberados. Mesmo com poucos recursos, os pesquisadores j� demonstraram que a intelig�ncia nacional � perfeitamente capaz de construir um sistema bastante complexo e satisfat�rio do ponto de vista t�cnico. Por isso, n�o � poss�vel tolerar argumentos vindos do pr�prio governo que defendem que o pa�s n�o possui condi��es de desenvolver o SBTVD.
Sociedade civil pela democracia nas comunica��es
Diante da postura do titular da pasta das Comunica��es, que coloca em xeque o desenvolvimento do Sistema Brasileiro de TV Digital, � preciso reafirmar com convic��o que somente um sistema desenvolvido nacionalmente ser� capaz de dar respostas satisfat�rias �s necessidades do pa�s. Mais do que desenvolver um sistema, por�m, � fundamental que as decis�es sobre a TV digital ? que s�o pol�ticas, n�o t�cnicas ? sejam fruto de um amplo debate p�blico, n�o exclusivo do Executivo federal e dos empres�rios do setor.
Para que o interesse p�blico prevale�a, a sociedade civil deve, com urg�ncia, se tornar protagonista dos debates que envolvem a TV digital, tanto pela valoriza��o do Comit� Consultivo como pela introdu��o de mecanismos que possibilitem a participa��o da sociedade civil nas principais decis�es relativas � digitaliza��o da televis�o brasileira. Ao mesmo tempo, � preciso garantir transpar�ncia nos processos decis�rios do governo federal para que os lobbies empresariais n�o sejam os �nicos a exercerem influ�ncia sobre aqueles que t�m o poder de decidir sobre os rumos do SBTVD. Sem transpar�ncia, n�o h� como fazer prevalecer o interesse p�blico.Por isso ? e por acreditar que a TV digital � uma grande chance para que o pa�s caminhe rumo � democratiza��o das comunica��es, al�m de uma oportunidade de elevar para um patamar pol�tico o debate sobre o direito humano � comunica��o no Brasil ? convocamos toda a sociedade a se engajar na luta para que o pa�s fa�a uma op��o por um sistema de televis�o digital nacional, que atenda aos reais interesses da Na��o.
Assinam o documento o F�rum Nacional pela Democratiza��o da Comunica��o (FNDC), Articula��o Nacional pelo Direito � Comunica��o (CRIS-Brasil), Congresso Brasileiro de Cinema (CBC), Campanha quem financia a Baixaria � Contra a Cidadania e Associa��o Brasileira de Canais Comunit�rios (ABCCOM).